Nota acerca do indeferimento de registro de estatuto de igreja
Ocorre que o 2º Oficial de Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São José dos Campos comete grave erro de interpretação e aplicação dos dispositivos legais e constitucionais apontados
A UNIGREJAS - União Nacional das Igrejas e Pastores
Evangélicos, vem a público, por meio de seu representante legal subscrevente,
manifestar-se acerca de negativa para registro do Estatuto Social da Igreja
Apostólica pelo 2º Oficial de Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São José
dos Campos, no Estado de São Paulo.
Resumo
A Igreja Apostólica, da cidade de São José dos Campos teve o
registro de seu estatuto indeferido pelo 2º Oficial de Registro Civil das
Pessoas Jurídicas daquela cidade por constar no artigo 3º, parágrafo único, que
“a igreja não membra, nem realiza casamentos homossexuais”. Alega o Cartório em
suas razões:
“Em que pese a
liberdade assegurada às organizações religiosas, quanto à organização
estruturação interna e funcionamento, e a ampla liberdade de crença e de culto
(ar.t 44, parágrafo 1º do Código Civil e art. 5º , VI, da Constituição
Federal), considerando a publicidade dos registros públicos e o princípio da
segurança jurídica, considerando, ainda, que a Constituição Federal tem por
fundamento promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 1º, inciso II e
art. 3º, inciso IV), com o devido respeito
à crença religiosa, não se pode admitir a discriminação consubstanciada
no parágrafo único do art. 3º do
Estatuto submetido à registro”.
Negou, assim, pretensão registral à igreja, orientando
adequação do texto a fim de “guardar compatibilidade com os valores e
princípios assegurados na Constituição Federal e prestigiados por consolidada
jurisprudência dos tribunais superiores”. Finalizou, ainda, o 2º Oficial,
afirmando que “é necessário preservar o interesse da sociedade como um todo,
prevenindo-se discriminações, discursos de ódio ou repúdio, e exteriorizações
que possam fomentar a discriminação, a hostilidade ou a violência contra
pessoas em razão de sua orientação sexual”.
Ocorre que o 2º Oficial de Registro Civil das Pessoas
Jurídicas de São José dos Campos comete grave erro de interpretação e aplicação
dos dispositivos legais e constitucionais apontados. Deve, portanto, imediatamente
reconsiderar sua posição, sob pena de ele mesmo estar incorrendo em violação de
direitos fundamentais e, até mesmo, salvo melhor juízo e em tese, crime de
discriminação por motivo de religião.
Manifestação
Acerta o Oficial do Cartório em invocar os dispositivos
constitucionais e legais para o caso em questão, sobretudo o art. 5º VI, da
Constituição, bem como seus arts. 1º e 3º, e o art. 44 parágrafo único do
Código Civil. São nesses artigos que Constituição resguarda a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, a promoção do bem de todos sem qualquer tipo de
discriminação, e a inviolabilidade da liberdade de crença e consciência. Na
norma apontada do Código Civil está disposto que “São livres a criação, a organização, a
estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo
vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos
constitutivos e necessários ao seu funcionamento.”
Entretanto, o Cartório, ao impugnar o registro requerido,
decidiu exatamente m contrariedade às normas que ele mesmo apontou. A
autoridade cartorária está negando a livre estruturação e organização interna
de uma organização religiosa ao indeferir o registro de atos constitutivos
necessários ao seu funcionamento, exatamente o que lhe é vedado pelo Código
Civil e pelo art. 19, I da Constituição Brasileira que veda o embaraço ao
funcionamento das igrejas, bem como o Decreto 119-A que navega na mesma linha.
Salvo melhor juízo, parece que o 2º Oficial de São José dos Campos estar agindo
por motivo de discordância pessoal com os dogmas da igreja.
A Constituição do Brasil reconhece a religiosidade da nação
em seu preâmbulo, no momento em que a Assembleia Nacional Constituinte a
promulga, “sob a proteção de Deus”. Destaca-se que Deus está com ‘D’ maiúsculo,
o que significa não estarem se referindo a uma divindade de maneira
generalizada, mas sim ao Deus de uma religião específica, a religião cristã. O
Cristianismo é uma religião milenar, e deve ter seus dogmas respeitados. A fé
cristã possui uma ética sexual própria, elevadíssima, e que resguarda o sexo
para o casamento, entendendo ser este possível somente entre um homem e uma
mulher, além de entender que a prática homossexual é uma prática que atenta
contra a lei natural. Isso está na esfera da liberdade de crença e de
consciência, não se tratando de preconceito ou discriminação contra
homossexuais. Vejamos o que diz a Bíblia: “Com homem não te deitarás, como se
fosse mulher; abominação é; Levítico 18:22” e “Ou não sabeis que os injustos
não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem
adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas,1 Coríntios 6:9”, isto citando apenas
dois trechos das sagradas escrituras.
Além do mais, para o cristão, qualquer ato sexual fora do
casamento entre um homem e uma mulher é considerado pecaminoso: adultério,
fornicação, incesto, dentre outros. Jamais deveria uma igreja ter o registro de
seu estatuto negado por colocar isso de forma expressa em seus atos
constitutivos, pela evidente inconstitucionalidade, violando o art. 5º, inc. VI
e art. 19, I, CF/88, o qual diz expressamente que é inviolável a liberdade de consciência e de crença e que
é vedado embaraçar o funcionamento de uma Igreja; e, ilegal, de acordo com art.
44, par. 1º, do Código Civil e do Decreto 119-A; e, até mesmo pode vir a
configurar, smj, em tese, crime de preconceito religioso, nos termos do art.
1º, da Lei 7.716/1989, que assim dispõe: “Serão punidos, na forma desta Lei, os
crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional” (grifo nosso).
Faz-se necessário, ainda, salientar, que a ADO 26, ação em
que o STF julgou a equivalência da homofobia ao racismo, nos termos da Lei
7.716/1989, encontra-se em fase de embargos de declaração, não tendo, portanto,
transitado em julgado. Logo, não se pode aplicar, de qualquer maneira, essa
legislação ao caso em tela. E, mesmo se fosse o caso de aplicar, a decisão na
ADO 26 excepciona à liberdade religiosa e literalmente a possibilidade dos pastores,
fiéis e igrejas de defenderem e viverem conforme seus dogmas.
Desse modo, a UNIGREJAS alerta ao 2º Oficial de Registro
Civil das Pessoas Jurídicas de São José dos Campos que deve reconsiderar sua
decisão, registrando o estatuto social da Igreja Apostólica, respeitando seus
dogmas acerca da ética sexual e do casamento, que não configuram discriminação
ou preconceito. Como consta na própria Nota de Devolução, com a qual
concordamos, “é necessário preservar o interesse da sociedade como um todo, prevenindo-se
discriminações, discurso de ódio ou repúdio, e exteriorizações que possam
fomentar a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão
de sua orientação sexual”, a qual sugerimos incluir também “contra pessoas em
razão de sua fé”.
Repudiamos, assim, fortemente a impugnação do cartório, bem
como lamentamos profundamente a criminalização da fé cristã, a qual representa
quase 90% da população brasileira.
São Paulo, 07 de setembro de 2021.
Bp. Eduardo Bravo Presidente da UNIGREJAS.
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