Nota acerca das citações religiosas nas câmaras de vereadores
É importante destacar a atual confusão acerca da definição de laicidade no Brasil, que recebe diversas interpretações
NOTA ACERCA DAS CITAÇÕES RELIGIOSAS NAS CÂMARAS DE VEREADORES
RESUMO
A União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos já havia se manifestado sobre o avanço do Ministério Público de São Paulo contra citações e símbolos religiosos nas casas legislativas municipais, na ocasião em que o Tribunal de Justiça do Estado declarou a inconstitucionalidade de trechos da Resolução n. 105, de 05 de maio de 2010, da Câmara de Vereadores de Itapecerica da Serra – leia aqui.
Ocorre que agora, de acordo com reportagem veiculada pelo Estadão , “Depois de ao menos seis municípios, a Procuradoria-Geral de Justiça mira Poder Legislativo de São José do Rio Preto, que tem em seu plenário até Cristo pregado na cruz; argumento do MP é de que Estado é Laico”. O pedido da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) é no sentido de retirar referências religiosas do começo das sessões da Câmara, vez que o regimento interno da Casa Legislativa determina que o presidente deve declarar “sob a proteção de Deus iniciamos nossos trabalhos”.
MANIFESTAÇÃO
É importante destacar a atual confusão acerca da definição de laicidade no Brasil, que recebe diversas interpretações. Tal desentendimento, muitas vezes, leva à compreensão errônea de que Estado laico é sinônimo de Estado ateu. Na verdade, são regimes que adotam o laicismo que acabam não permitindo a expressão religiosa em praça pública ou em instituições públicas.
O Brasil possui o modelo de laicidade colaborativa, em que o Estado não apenas reconhece a religiosidade da sociedade, mas também permite a sua expressão ampla. Por isso dá-se a prática de haver crucifixos em Tribunais e Casas Legislativas, assim como ser possível a invocação de Deus nas sessões. Destarte, não se trata apenas de benevolência, mas também da possibilidade de colaboração entre Estado e organizações religiosas, nos termos do art. 19, Inc. I, da Constituição brasileira, o qual estabelece que é vedado ao Poder público manter relações de dependência ou aliança com a Religião, exceto para colaboração de interesse público.
O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido, em que não se pode confundir laicidade com laicismo:
“O princípio da laicidade não se confunde com laicismo. A separação entre Igreja e Estado não pode, portanto, implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. A neutralidade estatal não se confunde com indiferença religiosa. A indiferença gera posição antirreligiosa contrária à posição do pluralismo religioso típica de um Estado Laico. O princípio da laicidade estatal deve ser interpretado de forma a coadunar-se com o dispositivo constitucional que assegura a liberdade religiosa, constante do art. 5º, VI, da Constituição Federal.” (STF, Tribunal Pleno, ARE 1099099, Rel. Min. Edson Fachin, j. 26.11.2020, p. 12.04.2021
Importa, de igual modo, salientar que o próprio Preâmbulo da Constituição afirma que esta foi promulgada “sob a proteção de Deus”. Isso é reconhecimento da religiosidade da nação, e, portanto, tendo como norte uma visão cristã de mundo, principalmente no que diz respeito aos seus valores e tradições. Tal qual afirmam os autores especializados no tema, Thiago Rafael Vieira e Jean Regina, o Preâmbulo Constitucional possuiu conteúdo declarativo que representa valores e a vontade popular que clamou pelo Estado Democrático de Direito (Direito Religioso: questões práticas e teóricas. 4. Ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 2023, p. 112).
Ora, mais de 80% da população brasileira se declara Cristã, sendo evangélicos hoje 30% e católico 50% do total. Portanto, a invocação da proteção de Deus na Constituição ou em liturgias públicas nas casas legislativas municipais nada mais é que o reconhecimento dessa realidade. Isso não fere a liberdade religiosa e de crença dos demais cidadãos, garantida no artigo 5º, inc. VI, da CRFB/88.
Desse modo, a União Nacional de Pastores e Igrejas Evangélicas entende que o pedido do Ministério Público de São Paulo não deve prosperar, e os municípios do Estado deveriam permanecer com a garantia de liberdade de expressão da religiosidade em suas Câmaras de Vereadores, em total consonância com a Constituição da República e com o modelo colaborativo de Estado laico praticado no Brasil.
São Paulo, 11 de janeiro de 2024
Bp. Eduardo Bravo - Presidente da UNIGREJAS
[1] Ministério Público quer acabar com
citações religiosas em sessões das Câmaras de cidades paulistas - Estadão
(estadao.com.br). Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/ministerio-publico-quer-acabar-com-citacoes-religiosas-em-sessoes-das-camaras-de-cidades-paulistas/. Acessom em 10 de janeiro de 2024.
COMENTÁRIOS