Palavra do Presidente acerca de carta ao leitor da revista Veja
A revista Veja acusa a igreja cristã brasileira de não respeitar o Estado laico e de estar, atualmente, atuando em um projeto de poder

PALAVRA
DO PRESIDENTE
ACERCA
DE CARTA AO LEITOR DA REVISTA VEJA: “EM NOME DE
DEUS”
A UNIGREJAS, União Nacional das Igrejas e
Pastores Evangélicos, vem a público, através da
palavra de seu Presidente, pronunciar-se acerca da redação da
Revista Veja que publicou uma Carta ao Leitor acusando a Igreja no
Brasil de não respeitar o Estado
laico e angariar um projeto de poder.
Resumo
Em Carta ao Leitor, intitulada “Em nome de
Deus”, a revista Veja acusa a igreja cristã brasileira de não respeitar o
Estado laico e de estar, atualmente, atuando em um projeto de poder. Coloca,
ainda, fotos de Edir Macedo, Bispo da Igreja Universal, ao lado ex-presidente
Lula e do atual presidente da República Bolsonaro, com a seguinte legenda: “LÁ E CÁ - Edir Macedo, da Igreja Universal, com Lula em 2007
e com Bolsonaro agora: projeto político com base na religião.” Dá a entender que a igreja tem ignorado o ensino
de Cristo de dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. A publicação sustenta que a laicidade é inspirada nos preceitos da
revolução francesa, e que se não houver isolamento dos interesses do Estado e
das igrejas, “podemos entrar numa era de retrocessos”.*
Surpreende-nos a leviandade de uma empresa
jornalística, que acumula anos de credibilidade, ao tratar do fenômeno da religião em
praça pública de maneira tão superficial e inconsequente, com conceitos e
denúncias que apresentam fraquíssimo fundamento teórico e fático.
Manifestação
Acerta a redação do referido periódico ao
dizer que a primeira Constituição republicana, de 1891, já assegurava a
laicidade do Estado brasileiro. Falha, porém, ao não mencionar, que foi o
Decreto 119-A, de 1890, que institui o Estado laico no Brasil, o qual “Prohibe a intervenção da autoridade federal e dos Estados
federados em materia religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue
o padroado e estabelece outras providencias”. Tal decreto foi revigorado pelo Decreto n 4.496,
de 2002, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Cada país ou nação desenvolve um modelo de
laicidade de acordo com sua própria tradição, história e cultura. Por isso, a
Constituição de 1988, como todas as demais anteriores a ela, com exceção a de
1937, invoca o nome de Deus, com ‘D’maiúsuculo, como reconhecimento à divindade
da fé cristã, sob a qual o Brasil foi erigido desde sua descoberta e fundação.
A redação da Carta publicada pela revista erra também ao ignorar que a
Constituição de 1988 estabelece, em seu art. 19, inc. I, o Estado laico
colaborativo, em que é permitida a aliança entre cultos religiosos ou igrejas
para colaboração de interesse público. Portanto, o modelo de laicidade
brasileiro nada tem a ver com aquele instituído pela Revolução Francesa, um
laicismo que prega separação radical entre Estado e religião, ao ponto de ter
cometido um verdadeiro genocídio contra os religiosos da França, em que até
mesmo freiras foram decapitadas nas guilhotinas. Esse tipo de laicismo de
combate persegue cristãos ao redor do mundo, principalmente em países socialistas, tal qual China, Coréia do Norte, Cuba, e, mais
recentemente na Nicarágua.
Quanto ao ensinamento de Cristo, “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”,
o redator da carta não faz interpretação
adequada. Essas palavras não significam que os discípulos de Cristo e a Igreja
não podem participar da vida pública, mas sim que César, como líder maior do
Estado romano, tinha sua própria esfera de atuação que gerava obrigações a
serem respeitadas pelos cidadãos ou seus súditos. Aliás, entre os doze, Jesus
escolheu um cobrador de impostos e um zelote.
E no Antigo Testamento, vemos vários personagens bíblicos atuando nos
palácios do poder a partir de sua fé, tal qual Ester na Pérsia e Daniel na
Babilônia, por exemplo. Faz-se importante ressaltar que a Bíblia ensina que
Deus é criador e Senhor sobre todas as esferas da vida humana, seja familiar,
econômica, política, ou artística, estando todas elas submetidas à soberania de
Deus, quer aceitem ou não.
É um tanto contraditório que muitos
desejam ver os religiosos e suas instituições fora da praça pública. Contudo,
esses mesmos são os que defendem que atores sociais ideológicos com suas
instituições tenham passe livre e um cheque em branco para fazer política e
impor os seus valores através de sua militância e atuação nos Poderes
Judiciário, Legislativo e, até mesmo, no Executivo. Ora, ninguém deixa seus
valores na porta de casa quando participa da vida pública e contribui com seus papéis na sociedade, seja ateu,
religioso, conservador ou progressista.
Em relação às fotos do Bispo Edir Macedo
com Bolsonaro e Lula, que hoje concorrem às eleições presidenciais com
propostas de governo muito distintas, há de se entender que a Bíblia ensina o respeito às autoridades, conforme
escrito na Epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos: “Todo homem esteja
sujeito às
autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as
autoridades que existem foram por ele instituídas”. Ali estão fotografadas a visita de um líder religioso a dois presidentes
da República, cada um à sua época.
Por fim, fica o encorajamento à redação da
Revista Veja, a qual já foi
tão importante para o debate público brasileiro, que aprofunde o seu
conhecimento acerca do tema da laicidade e do Estado laico colaborativo
no Brasil, bem como seja mais
transparente em relação às suas intenções. O livro “A laicidade colaborativa
brasileira: da aurora da civilização à Constituição brasileira de 1988”, dos
autores Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina é uma boa indicação aos
editores e à redação da Veja.
São Paulo, 08 de setembro de 2022.
Bp. Eduardo Bravo -
Presidente da UNIGREJAS
mso-ansi-language:PT">*
https://veja.abril.com.br/politica/carta-ao-leitor-em-nome-de-deus/. Acesso em
08 de setembro de 2022.
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*Leia mais em:
https://pt.aleteia.org/2018/07/17/as-16-carmelitas-martires-que-a-revolucao-francesa-decapitou/.
Acesso em 08 de setembro de 2022.
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