Quem responde pelas consequências dos apagões elétricos?
O consumidor precisa saber como agir e a quem recorrer pelos prejuízos causados pelos eventos climáticos
A crise climática trouxe diversas consequências ao Brasil. No dia 11 de outubro, o Estado de São Paulo foi atingido por um forte temporal. Sete pessoas morreram: três em Bauru, no interior; duas em Cotia; e uma em Diadema, na região metropolitana. Na capital paulista, os ventos de mais de 107 km/h causaram a morte de um eletricista da Enel (responsável pela distribuição de energia no Estado paulista) e, além da queda de árvores, deixaram mais de três milhões de pessoas sem luz. Foi o segundo apagão que durou muitos dias em menos de um ano na cidade.
Na reta final das eleições, o péssimo atendimento prestado pela Enel durante a crise e a demora em resolver os problemas levantaram várias discussões entre os candidatos que concorreram no segundo turno à prefeitura da capital paulista. Guilherme Boulos, do PSOL, disse que o Poder Executivo municipal não cuida da poda nem da localização das árvores e muito menos das calçadas em que os postes estão instalados. Já Ricardo Nunes, do MDB, falou que o governo federal deveria fiscalizar e cobrar a Enel. No meio disso tudo, a população fica sem saber quem tem razão ou o que fazer diante dos sérios eventos climáticos cada vez mais frequentes.
Paulo Akiyama, advogado especializado em direito do consumidor, afirma que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é quem regula a distribuição de energia elétrica no Brasil: “a competência é absoluta da Aneel. Não há interferência dos Estados e municípios e não existe possibilidade de sub-rogar ao governo estadual ou municipal”. Ele explica que a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), por exemplo, não tem competência para isso: “a Arsesp é uma agência reguladora dos serviços públicos estaduais. No caso da Enel, a Arsesp somente pode orientar o consumidor”.
Contudo as divergências sobre responsabilidades não se limitam a quem regula ou fiscaliza as concessionárias. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem um problema enorme com a Light, que também oferece um péssimo serviço, além da questão dos “gatos” (ligações elétricas irregulares). No Norte do País, a Amazonas Energia faliu e a única proposta de venda da concessionária foi recusada porque prejudicaria muito a população com aumento de preços e possível diminuição da qualidade de serviço.
A verdade é que por todo o País se repetem casos de falta de luz, atendimento precário ao consumidor, tarifas altas e aparente impunidade a quem enriquece explorando o brasileiro.
Em São Paulo, na década passada, antes da total privatização, a Eletropaulo assinou um contrato com o governo do Estado para enterrar os fios. A empresa ganhou o leilão da concessão, não fez esse serviço e depois foi adquirida pela Enel, que diz que não é obrigada a fazê-lo. A empresa alega que os custos são muito elevados e quer uma readequação contratual. Entretanto uma apuração do portal UOL mostra que os postes pertencentes à concessionária são alugados para que empresas de internet pendurem seus fios. A Enel deixará de lucrar com esse aluguel, caso o enterramento seja realizado – evidentemente, a perda dessa renda aumenta a resistência da empresa, que não se importa se isso prejudica a cidade e a população.
Para Akiyama, quando as concessionárias começam a apresentar problemas, a solução é requerer intervenção. “Daí, por meio do interventor, deve haver maiores informações para a concorrência de novas empresas”, explica.
Diante disso, o governo do Estado de São Paulo está requerendo uma intervenção na Enel. “Não sabemos exatamente o conteúdo do contrato de concessão da Enel com o governo federal, mas entende-se nas entrelinhas que, se houve um acordo prévio entre a empresa que saiu (Eletropaulo) e a que entrou (Enel), os projetos de melhorias deveriam ser seguidos. Enterrar a fiação sempre é o melhor caminho, mas, em razão das declarações do CEO da Enel, creio que isto não vai ocorrer. A Aneel deve tomar providencias a este respeito, o que está sendo muito demorado. Não se sabe as razões de tanta demora por parte da agência reguladora, mesmo estando sob pressão do governo do Estado de São Paulo e do município”, afirma.
Quando se fala na poda de árvores que atrapalham a fiação elétrica, ele esclarece que a responsável é a Enel. “Nos casos de árvores que apresentam riscos de queda, a responsabilidade é da prefeitura, mas, para que a prefeitura tome medidas, elas devem ser solicitadas pelo cidadão ou pela própria Enel. Ocorre que não existe um canal de comunicação entre a Enel e a prefeitura para casos de árvores com risco de queda. Com a redução do quadro de funcionários da Enel em razão da quase total terceirização, isto não ocorre, portanto entende-se que há omissão por parte da Enel nas questões que envolvem árvores condenadas”, analisa.
Contudo ele explica que a interrupção do serviço elétrico causada por eventos climáticos é passível de multa para as concessionárias de energia. “O Procon-SP multou a Enel por fatos anteriores. Ela tem mais de R$ 12 milhões em multas aplicadas pela entidade, porém não pagou. Quem pode ter maior poder de penalização é a Aneel. Ocorre que não há notícias de que a agência federal tenha adotado qualquer medida em face da Enel”, observa.
Outro problema detectado no pós-apagão em São Paulo é o péssimo atendimento telefônico prestado pela concessionária ao consumidor. “Conforme relato de alguns consumidores em entrevistas, os atendentes da Enel ameaçaram os clientes dizendo que se a denúncia fosse falsa, a empresa iria processá-los. Este tratamento é no mínimo ridículo e não cabe a uma empresa concessionária de serviços necessários. O consumidor deve procurar os órgãos de defesa. Infelizmente, a Aneel não adota qualquer providência e não se pode esquecer que ela é o órgão regulador”, conclui.
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