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São Paulo,22/10/2024

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    A pandemia e seu impacto no desenvolvimento infantil

    R7/ Internacional
    A pandemia e seu impacto no desenvolvimento infantil Travis Dove/The New York Times

    As crianças que nasceram, estavam aprendendo a andar e começando a pré-escola na época da pandemia já estão na idade de iniciar o ensino fundamental, e o impacto daquele período nelas está cada vez mais claro, com muitas se mostrando atrasadas no nível acadêmico e no desenvolvimento. 

    As entrevistas com pelo menos 25 professores, pediatras e especialistas na primeira infância mostram uma geração menos propensa às habilidades próprias da idade – como saber segurar o lápis, comunicar as necessidades, identificar formas e letras, lidar com as emoções ou resolver problemas com outros pequenos. 

    Várias provas científicas também revelam que a pandemia parece ter afetado o desenvolvimento precoce de algumas crianças mais novas, sendo os meninos mais suscetíveis que as meninas. “Sem dúvida, acho que os nascidos naquele período têm problemas de desenvolvimento em relação aos anos anteriores. Pedimos que usassem máscara, não vissem outros adultos, não brincassem com outras crianças. Praticamente cortamos as interações e não há como recuperar esse tempo”, afirma a dra. Jaime Peterson, pediatra da Universidade de Ciência e Saúde do Oregon, cuja pesquisa avalia o preparo infantil para o jardim de infância. 

    O efeito da pandemia nas crianças mais velhas – que tiveram de ficar em casa durante o fechamento das escolas e sofreram perdas significativas em matemática e leitura – já foi cuidadosamente registrado, mas o impacto nas mais novas é, de certa forma, surpreendente, já que ainda não tinham começado o ensino formal na época, estando numa idade em que normalmente já passam bastante tempo em casa. 

    Acontece que esse também é o período mais crítico para o desenvolvimento cerebral. De acordo com os pesquisadores, diversos aspectos afetaram as mais novinhas, como o estresse dos pais, a menor exposição a outras pessoas, a menor frequência na pré-escola, mais tempo de tela e menos tempo brincando. Apesar disso, porém, e porque o cérebro vem se desenvolvendo tão depressa, elas têm todas as condições de recuperar o atraso. De acordo com Joel Ryan, que trabalha com uma rede de centros pré-escolares estaduais e o programa Head Start no estado de Washington, onde percebeu um aumento nos problemas comportamentais e atraso na fala, essa geração representa um “tsunami pandêmico” prestes a entrar no sistema educacional nacional. 

    É verdade que nem todas as crianças demonstram esses sinais. Segundo os dados que serão divulgados em 1º de julho pela Curriculum Associates, que aplica testes em milhares de escolas norte-americanas, as mais afetadas são as das escolas de maioria negra e/ou hispânica e as de família de renda mais baixa; as das classes mais privilegiadas estão mais alinhadas com as tendências históricas. “Mas grande parte dos alunos mais jovens – se não todos eles – sofreu impactos acadêmicos de uma forma ou de outra”, diz Kristen Huff, vice-presidente para avaliação e pesquisa da empresa. 

    Os especialistas afirmam que a recuperação é possível, ainda que a faixa etária não seja o foco principal do auxílio de US$ 122 bilhões distribuído entre os distritos escolares para a retomada acadêmica. “Temos todos os meios físicos para ajudar a criançada e as famílias a se recobrar, mas será que saberemos distribuir o acesso aos serviços de que necessitam de forma justa?”, questiona Catherine Monk, psicóloga clínica e professora da Universidade Columbia e líder de um projeto de pesquisa sobre mães e bebês na pandemia. 

    O que mudou? 

    Brook Allen, de Martin, no Tennessee, é professora da pré-escola há 11 anos. “Este ano, pela primeira vez, há diversos alunos que mal sabem falar, não conseguem fazer as necessidades sozinhos nem têm a capacidade motora para segurar o lápis.” 

    Segundo Michaela Frederick, professora de creche para alunos com atraso de aprendizagem de Sharon, no Tennessee, as crianças não se envolvem em brincadeiras criativas nem se relacionam com os coleguinhas como antes. Ela teve de substituir as peças de montar menores que tinha em classe por outras, maiores e macias, porque os alunos não desenvolveram as habilidades de coordenação motora fina a ponto de manipulá-las. 

    Talvez a maior diferença percebida por Lissa O’Rourke nos seus alunos de pré-escola em St. Augustine, na Flórida, tenha sido a incapacidade de controlar as emoções. “É um tal de derrubar cadeira, jogar coisas, bater nas outras crianças, bater nas professoras.” 

    Novos dados da Curriculum Associates enfatizam o que os educadores da primeira infância já perceberam: as crianças que acabaram de concluir o segundo ano e tinham entre três ou quatro quando a pandemia começou ainda não estão no mesmo nível daquelas que terminaram o período letivo antes de 2020. O que mais preocupa é que as que estão mais atrasadas são as que menos vêm fazendo progressos: de acordo com os pesquisadores, o desempenho dos alunos mais novos é um “contraste gritante” em relação ao dos mais velhos, do ensino fundamental, que se recobraram muito mais. A análise mais recente avaliou dados de testes aplicados a cerca de quatro milhões de crianças, divididas em grupos antes e depois da pandemia. 

     As informações das escolas públicas de Cincinnati reforçam o caso: apenas 28% dos alunos começaram a pré-escola preparados este ano; antes da pandemia, segundo o Hospital Pediátrico da cidade, o volume chegava a 36 por cento. 

    Por que isso aconteceu? 

    Segundo os especialistas em desenvolvimento infantil, uma explicação para essas dificuldades é o nível de estresse a que os pais foram submetidos. “A ressonância magnética de um bebê que é exposto ao estresse mostra maior atividade nas áreas que lidam com o medo e a agressividade, ou seja, há menos energia para as zonas dedicadas à linguagem, à exploração e ao aprendizado”, explica Rahil D. Briggs, psicóloga infantil da Zero to Three, ONG que se dedica à primeira infância. 

    Durante os lockdowns, as crianças passaram também menos tempo ouvindo as interações dos adultos – no supermercado e na biblioteca, por exemplo – que as expõem a novas linguagens. Além disso, passavam menos tempo brincando com outras crianças. 

    As pesquisas concluíram que a pré-escola aumenta significativamente o preparo para o jardim da infância, mas em muitos estados ela continua abaixo dos níveis pré-pandemia, sugerindo que as famílias de baixa renda ainda não voltaram no mesmo ritmo que as outras. 

    O tempo de tela também aumentou porque os pais tinham de conciliar o trabalho com o cuidado com os filhos, fechados em casa, e permaneceu alto depois do fim das quarentenas, o que para muitos professores e especialistas afetou a capacidade de concentração e a coordenação motora fina dos pequenos. Esses períodos mais longos também estão associados a atrasos de desenvolvimento. 

    As crianças vão conseguir tirar esse atraso? 

    Ainda é muito cedo para dizer que os efeitos da pandemia são de longo prazo, mas os pesquisadores dizem que há motivos para otimismo. “Sem dúvida nenhuma, a recuperação é possível se identificarmos os problemas logo. Aos seis meses de idade, nada é permanente no cérebro”, confirma a dra. Dani Dumitriu, pediatra e neurocientista da Universidade Columbia e líder do estudo sobre os recém-nascidos da pandemia. 

    Não só ela como outros profissionais também vê aspectos positivos da pouca idade durante aquele período, como maior resiliência e maior convivência com a família. 

    Sarrah Hovis, professora da pré-escola em Roseville, no Michigan, confirma o enorme impacto da pandemia em sua classe. “Tem criança que não consegue abrir o pacote de salgadinho porque não tem força nos dedos. Muitas mais continuam faltando bastante, mas esse é um problema no país todo. Por outro lado, vejo muito progresso também. Agora no fim do ano letivo, alguns alunos meus já contavam até cem e faziam soma e subtração. Se a garotada vem para a escola, aprende.” 

    Texto: Claire Cain Miller e Sarah Mervosh, do The New York Times




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